
Ao mesmo tempo em que é peculiar, a história de Gioacchino Veadrigo é representativa para ajudar a compreender a epopeia dos imigrantes italianos que ajudaram a colonizar a Serra. Gioacchino foi criado em um orfanato e partiu para o Brasil com os pais adotivos, saindo de Gênova, aos 17 anos.
Ao chegar na região, conquistou não apenas o novo mundo, mas também o coração de uma brasileira, Maria Caldart, com quem se casou e teve seis filhos. Foi o primogênito, João, quem fundou, em 1927, a vinícola que leva o nome da família na localidade de Travessão Rondelli, em Flores da Cunha, onde permanece até hoje sob os cuidados da quinta geração da família.
Desde o ano de sua criação até o início dos anos 2000, a vinícola teve por característica comercializar apenas o vinho de mesa, vendido a granel. Ainda que até hoje este seja o carro-chefe da empresa, a Famiglia Veadrigo entrou para o mercado de vinhos finos a partir da formação em Enologia de Fabiane, primeira da linhagem a buscar o conhecimento formal na área, assegurando a sucessão familiar com um olhar voltado para o futuro do negócio.

– Sempre gostei de morar na colônia, de trabalhar para honrar o que trouxe nossa família até aqui. Nem me sinto no direito de vender tudo, porque é como se não fosse meu, mas, sim, como se estivesse apenas ando por mim para entregar para a próxima geração dar sequência. O que a gente faz é tentar ar aos filhos este amor que a gente tem – comenta Fabiane, que é mãe de Sofia, cinco, e Vinícius, dois meses (primeiro homem nascido na família em 70 anos, desde o avô Fernandes).
Em 2007, quando Fabiane foi eleita rainha da Fenavindima e se aproximou do enoturismo que crescia no município e na região, a vinícola ou a abrir as portas para visitantes e se estruturou também como restaurante, crescendo gradativamente na mesma medida em que a oferta foi ampliada. O salto maior viria justamente no momento mais crítico para o turismo, com o coronavírus:
— A pandemia foi o boom do vinho fino no Brasil. Cresceu muito o consumo. amos a trabalhar não mais com cinco, mas com 15 produtos. Nosso carro-chefe ainda é o vinho de mesa, que tem como principais clientes caminhoneiros que compram para revender na sua cidade, mas a cada ano cresce o faturamento também com o vinho fino — explica Fabiane.
Sendo uma das 20 vinícolas que ostentam no rótulo o selo de Indicação de Procedência Altos Montes, obtido em 2012 para chancelar a qualidade dos vinhos e espumantes produzidos em Flores da Cunha e na vizinha Nova Pádua, a Famiglia Veadrigo ajuda a compreender como a veia empreendedora faz prosperar uma região onde o artesanal e o industrial bebem dos mesmos saberes.
Urbanização e globalização favoreceram novos negócios

As mudanças de vida no início do Século 20 abriram caminho também para o setor de transportes. O empreendedor que transformou uma oficina de pintura de caminhão em fábrica de ônibus globalizada é o resumo da trajetória de Paulo Pedro Bellini (1927-2007), fundador da Marcopolo, e um dos expoentes do progresso na Serra. Nascida como Nicola & Cia, a empresa que se tornaria uma das maiores indústrias do Brasil tinha, no início, muita vontade e pouco conhecimento dos sócios dispostos a criar carrocerias de ônibus.
— Fomos muito audaciosos, mas trabalhávamos sem segurança, sem tecnologia. Fazíamos tudo exagerado para garantir que não houvesse problema. Em vez de barra de ferro de uma polegada, a gente colocava de três polegadas — contou Bellini, em entrevista concedida ao Pioneiro em julho de 2008.
Em Caxias, como a Eberle já havia criado ambiente e cultura para a metalurgia, ficou mais fácil obter peças e trabalhadores capacitados. Até 1957, a empresa funcionou num pavilhão de madeira, que pegou fogo mais de uma vez. Naquele ano, mudou-se para novas instalações no bairro Planalto, correndo muitos riscos. A área, na época, era quase inexplorada, não tinha sequer energia elétrica. Era preciso manter um gerador com motor a diesel para garantir a solda das peças.
Segundo a historiadora Ana Paula de Almeida, a figura de Bellini é tida como a de um grande líder dessa indústria, que liderou durante muito tempo com outras pessoas até se consolidar, atualmente, em uma multinacional. Com plantas industriais em quatro continentes, a empresa, que nasceu em Caxias exporta para 140 países e está entre as maiores fabricantes de carrocerias do mundo. E a empresa volta a pensar em novas necessidades para um mercado em transformação.
— É interessante ver a cultura que nós temos aqui na empresa, de termos uma cultura vencedora, e de como isso tem conexão com a história da imigração. Um povo empreendedor, que não desiste, que faz um esforço muito grande para que as coisas de fato aconteçam. A tecnologia vem evoluindo muito. E a empresa tem se preocupado muito com o desenvolvimento de produtos que, do ponto de vista da construção deles, sejam mais sustentáveis também. Assim como também procuramos utilizar materiais que sejam mais leves, que sejam recicláveis. Por outro lado, vemos um avanço muito grande nas tecnologias de descarbonização — explica o diretor de Estratégia e Transformação Digital da Marcopolo, João Paulo Pohl Ledur.